Quando Milton Nascimento, cantor e compositor famoso, decidiu mover ação judicial contra Cruzeiro Esporte Clube na 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, o caso virou manchete nacional. O pedido, apresentado em 3 de agosto de 2025, busca R$ 50 mil por direitos autorais supostamente violados ao usar a canção "Clube da Esquina nº 2" num vídeo promocional da contratação de Gabriel "Gabigol" Barbosa. O artista, que sempre defendeu a proteção da obra musical, explicou que a notificação extrajudicial enviada ao clube há seis meses não surtiu efeito, forçando a via judicial.
Contexto da campanha e a escolha da música
A diretoria do Cruzeiro, empolgada com a chegada de Gabigol – anunciado nas primeiras horas de 1º de janeiro de 2025 – lançou um vídeo nas redes sociais celebrando a negociação. Para dar um tom de orgulho mineiro, abusou da melodia icônica do Clube da Esquina, movimento cultural que Milton, Lô Borges e Márcio Borges ajudaram a construir.
O uso de uma obra tão simbolicamente ligada a Minas Gerais foi, segundo a equipe de marketing, “uma homenagem à nossa identidade", mas acabou colidindo com a lei de direitos autorais.
Detalhes da ação judicial
O processo foi ajuizado na 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde Milton está representado por um escritório especializado em propriedade intelectual. A petição alega que o clube reproduziu, distribuiu e exibiu a composição sem permissão, violando os direitos exclusivos do autor e dos co‑autores, que também são titulares da obra.
Além de Sony Music, detentora dos direitos de gravação, os compositores Lô Borges e Márcio Borges foram incluídos como partes interessadas. A reclamação pede compensação pelos danos materiais – o valor de R$ 50 mil – e pelos danos morais decorrentes da “exploração indevida de obra cultural”.
Em declaração publicada nas redes sociais, Milton escreveu: "Assim como um jogador recebe o que lhe é devido, o compositor tem o direito de escolher quem usa sua obra e por quanto". Ele ainda ressaltou que o clube, apesar de ser seu torcedor, é uma empresa que não pode usar a música como “brinde”.
Posição do Cruzeiro e da defesa
Em 2 de agosto de 2025, o Cruzeiro respondeu oficialmente, alegando que o vídeo foi apenas um “re‑post” do conteúdo originalmente divulgado por Gabigol em seu perfil pessoal. Segundo a diretoria, não houve edição nem inserção da faixa, o que, em sua visão, descaracteriza a infração.
“Recebemos uma notificação extrajudicial há seis meses, mas nunca houve pedido formal de cessão ou licenciamento. Compartilhamos o que já era de domínio público nas redes do atleta", afirmou André Pereira, porta‑voz do clube. A defesa também destacou que a canção já foi usada em várias campanhas esportivas sem que surgissem litígios semelhantes, sugerindo que o caso poderia ser resolvido por mediação.

Implicações para o direito autoral no esporte
O embate traz à tona um dilema antigo: até onde vai a liberdade criativa de clubes e marcas ao usar obras culturais em campanhas publicitárias? A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) determina que qualquer reprodução necessita de autorização prévia, salvo exceções específicas que não se aplicam aqui.
Especialistas em propriedade intelectual, como a professora Carolina Ferreira da PUC‑MG, apontam que o caso pode servir de precedente para outras equipes que costumam usar músicas populares em vídeos de assinatura de jogadores.
“Se o Judiciário entender que o simples compartilhamento de um vídeo já configura violação, estaremos diante de um novo parâmetro para o marketing esportivo", alerta Carolina.
Próximos passos do caso
A audiência de conciliação está marcada para 15 de outubro de 2025. Caso as partes não cheguem a um acordo, o processo seguirá para fase de instrução, com produção de provas documentais e periciais sobre a autoria e a forma de uso da música.
Enquanto isso, o Cruzeiro já retirou o vídeo da sua página oficial e promete rever seu fluxo interno de aprovação de conteúdo. Milton, por sua vez, reforça que está disposto a negociar licenças, desde que cumpridos os termos justos de remuneração.
Perguntas Frequentes
Qual o valor pedido na ação de Milton Nascimento?
Milton solicita R$ 50 mil em indenização por suposta violação de direitos autorais da música "Clube da Esquina nº 2".
Por que o Cruzeiro usou a canção no vídeo de Gabigol?
A diretoria queria reforçar a identidade mineira do clube ao anunciar a contratação do atacante, usando um clássico musical reconhecido nacionalmente.
O que diz a lei sobre o uso de músicas em campanhas esportivas?
A Lei 9.610/98 estabelece que a reprodução, distribuição ou exibição de obra protegida requer prévia autorização do titular, salvo nas hipóteses de uso permitido que não são aplicáveis a campanhas publicitárias.
Qual o risco para outros clubes brasileiros?
Se o caso for decidido a favor de Milton, clubes podem ser obrigados a revisar contratos de licenciamento de músicas, aumentar custos de produção e criar protocolos de aprovação mais rígidos.
Existe chance de acordo extrajudicial?
Ambas as partes indicam abertura para negociação; assim, a audiência de conciliação pode resultar numa licença paga ou retirada de conteúdo, evitando julgamento.
É inconcebível que um clube de futebol, que se diz guardião da tradição mineira, viole flagrantemente os direitos autorais de uma obra tão icônica. O uso da melodia do “Clube da Esquina nº 2” sem autorização demonstra desrespeito absoluto ao criador. Milton Nascimento tem todo o direito de exigir reparação, assim como um atleta cobra salário justo. O princípio da justiça deve prevalecer sobre a conveniência publicitária.
Ao refletirmos sobre a sacralidade da música, percebemos que ela transcende o mero entretenimento, erigindo-se como patrimônio cultural que merece proteção. A tentativa do Cruzeiro de cooptar essa herança para fins mercadológicos revela uma postura utilitarista que ignora a dignidade do autor. A ética deve reger o uso de obras, sob pena de transformar a arte em mercadoria descartável. Por isso, a ação judicial de Milton é não apenas legítima, mas necessária para preservar o respeito ao criador.